A guarda compartilhada e a importância dos vínculos afetivos

A guarda compartilhada e a importância dos vínculos afetivos

Por: Renata Bento. Psicanalista – Psicóloga. Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro da International Psychoanalytical Association – UK.Membro da Federación Psicoanalítica de América Latina – Fepal. Especialização em Psicologia clínica com criança PUC-RJ. Perita ad hoc do TJ/Rj – RJ. Assistente Técnica em processo judicial. Especialista em família, adulto, adolescente.

A convivência da criança e/ou adolescente com os genitores após o divórcio dos pais é importante para o amadurecimento emocional, ou seja, do ponto de vista psíquico; e não só isso, é um direito da criança e do adolescente. Ao longo do tempo algumas mudanças vêm ocorrendo. Antes era comum a guarda ser unilateral em favor da mãe; muitas mulheres acabam sendo responsáveis sozinhas pela criação dos filhos. Cabia ao pai, a pensão de alimentos e a convivência com os filhos, quando esse era interessado. O pai era uma figura muitas vezes distante fisicamente e às vezes até emocionalmente.

Atualmente o modelo de guarda é a compartilhada, poucos são os casos de guarda unilateral em favor do pai ou da mãe, somente em situações específicas. Muitas mudanças ocorreram na família e os pais (genitores) passaram a desejar estar perto da prole e acompanhar também o crescimento e desenvolvimento emocional dos filhos. Toda essa mudança, que por um lado é boa, mas também gera conflitos e necessita de amadurecimento.

A Lei da guarda compartilhada foi instituída com finalidade de promover a igualdade parental entre os genitores. Essa mudança foi bastante importante para que as mães pudessem dividir a responsabilidade da rotina de criação dos filhos com o pai e para os filhos terem mais convivência com o duplo referencial; a guarda compartilhada é um direito da criança. Mesmo com essa finalidade de promover igualdade parental, ainda existe competição entre os pais sobre quem seria o melhor para a criação dos filhos e é isso que causa os maiores prejuízos emocionais aos filhos.  Como antes cabia a mulher esse papel, os conflitos ficavam velados. Há muito o que se amadurecer para o entendimento dessa igualdade parental e do quanto isso é significativo para os filhos.   

Atualmente a maior parte das guardas são compartilhadas e com residência materna. E modelo de convivência fixado é o de fins de semanas alternados e um dia por semana para a convivência paterna. Para algumas famílias isso funciona e é suficiente.

Existem também modelos mais abertos de convivência, onde a guarda é compartilhada e os pais conseguem ajustar a convivência da prole com ambos de uma forma bem equilibrada. Isso vai depender do modo como lidam com a separação e com a função (paterna e materna) que cada um exerce, e como cada genitor entende emocionalmente a função do outro genitor na vida da criança.

Ainda existe um estigma em torno da mulher e da maternidade a respeito da guarda, misturado a isso tem a culpa que as mulheres (mães) sentem em cogitar não assumirem a guarda, diferente do homem que tem essa liberdade, a mulher que perde ou que sugere que a guarda fique com o pai, ainda é vista com ressalvas por ela própria e muitas vezes também pela sociedade. Isso faz com que as mulheres, em muitos casos, abram mão de suas carreiras para não se sentirem como se estivessem abandonando os filhos. Esse fenômeno raramente acontece com os homens que são pais. Raros são os casos em que o pai fica com a guarda dos filhos por motivos econômicos, por exemplo, e não culpe a mãe por abandono. 

Convivência igualitária

A guarda compartilhada é a regra. Em alguns tribunais existem projetos com o núcleo de psicologia das varas de família que visa conscientizar mães, pais e até familiares envolvidos em processo de separação/divórcio, dissolução de união estável, alimentos/ disputa pela guarda. O objetivo é receber essas famílias através de encontros informativos e reflexivos sobre os prejuízos no desenvolvimento emocional das crianças. De acordo com a demanda essas famílias podem ser encaminhadas pelo juiz. O que se tenta passar é a conscientização da importância da guarda compartilhada, da manutenção dos vínculos através do convívio dos filhos com ambos de forma mais igualitária.

A guarda compartilhada é um direito da criança de conviver de forma mais equilibrada com seus pais. E nas classes menos favorecidas é comum se observar que a mãe é quem fica com a criança.

Nas classes mais favorecidas há uma mistura entre guarda e bens e isso intensifica a discussão e acirra a disputa, o que não deveria acontecer porque são coisas distintas. Além disso, nos processos de divórcio, as disputas pela guarda e divisão de bens se desenrolam por longo período, o que não se observa nas classes menos favorecidas, embora haja defensoria pública. Muitas situações não chegam ao judiciário, exceto as mais graves. 

Pontos importante sobre a guarda compartilhada

A guarda compartilhada foi instituída no intuito viabilizar a manutenção dos vínculos afetivos entre pais e filhos e o contato regular, o mais equânime possível. A forma como os pais administram emocionalmente a guarda compartilhada tem sua base na forma em como eles lidam com a separação do casal conjugal. Essa forma interfere diretamente.

A guarda compartilhada exercida de forma positiva e madura traz muitos benefícios para a criança, uma vez que ela perde com a separação dos pais, mas não em convivência. Existem por exemplo, muitos pais (homens) que passam a conviver mais efetivamente com a criança após a separação, isso ocorre porque se antes dentro casa era delegado a mãe os cuidados com os filhos, com o divórcio, esse pai se vendo nesse papel de cuidador, passa a estar mais atento a isso e participa mais. Como pontos positivos podemos pensar que com a guarda compartilhada os filhos sofreriam menos em relação a alterações em seus cotidianos porque os pais estariam implicados de forma conjunta no estabelecimento de uma rotina e ambiente estável.

Em casos específicos muitas vezes é necessário que a guarda seja unilateral porque pode haver mau uso da guarda compartilhada. Por exemplo em uma família onde há uma diferença social, financeira muito grande entre os pais e, este mais abastado pode se utilizar da condição econômica como poder. O que vai ocorrer é que provavelmente esta pessoa, que se sente tendo mais poder, tomará sozinha as decisões acerca do filho submetendo o outro ex-conjuge, que talvez não tenha força financeira suficiente para se sentir seguro e acaba por se submeter. Nesses casos especificamente a guarda unilateral poderia ser eficiente, isto é, quando a compartilhada não é utilizada como poder sobre o outro. Muitos conflitos podem ocorrer, mas especificamente quando esse citado anteriormente ocorre, estamos diante de uma situação onde provavelmente há falha de caráter.

Embora seja regra mesmo que o casal tenha conflitos, a guarda compartilhada pode contribuir na paralisação ou na instabilidade da vida da criança se esses pais têm conflitos demais onde um desautoriza o outro todo o tempo, ou há alienação parental. Nesses casos mais complexos se torna necessário uma perícia psicológica.

Guarda alternada ou compartilhada?

Alguns pais com guarda compartilhada praticam em comum acordo e por decisões deles próprios a convivência alternada e em alguns casos a criança lida bem, já que a guarda alternada não é uma regra em nosso país.

Uma criança precisa de rotina e de um ambiente estável para se desenvolver com segurança e confiança. Essa alternância nem sempre pode ser boa, pode gerar estresse. Tudo irá depender sempre da forma como os pais lidam com a separação, a idade da criança, e como a própria criança sente com essa alternância. Situações como essa devem ser vistas no caso a caso. 

A separação é a maior crise da vida adulta, mobiliza muitos sentimentos. A principal dificuldade observada em um casal é que diante dos conflitos e de toda emoção que isso traz, muitos pais sentem que sua função é maior ou melhor que a função do outro, digo função materna e paterna, e acabam por competir. Isso dificulta o pensar a respeito da criança, e quais seriam as necessidades dela. Quando se separa terá coisas a perder, há uma dor a ser elaborada, não tem jeito. A mãe ou o pai, não terá o convívio diário com o filho quando chegar em casa ao final do dia, porque a criança estará na casa do pai ou da mãe. Será preciso lidar com esse vazio que a separação traz e que nenhum filho deverá ser convidado a tamponar e nenhum filho será capaz de preencher. 

A partir dos 12 anos a criança passa a ter o direito de optar com quem deseja ficar. O pedido da criança será escutado e tem peso, entretanto a decisão cabe ao juiz. Quando existem muitos conflitos acerca da guarda em questão com situações que não estão claras, o juiz pode requerer uma perícia psicológica. A partir desse instrumento, o laudo, o juiz poderá definir a guarda. Embora a criança já esteja beirando a adolescência e tenha voz, ainda assim é preciso verificar o porquê dessa escolha. Uma disputa de guarda na adolescência é complexa. Há uma necessidade do adolescente se separar dos pais para construir sua própria identidade e pode acontecer desse adolescente preferir escapar de uma casa onde existem mais regras, por exemplo buscando essa liberdade. Por isso é preciso um exame minucioso a respeito do pedido. Um adolescente tem voz, mas ainda não tem o poder de decisão que cabe a um adulto. 

No código Civil Brasileiro estão previstas duas modalidades de guarda. A unilateral e a compartilhada. O modelo de guarda mais adotado é a compartilhada. Compartilhar a guarda da criança após o divórcio é o mais indicado por permitir e estimular que o acompanhamento da criança e do adolescente seja feito por ambos os pais.

LEIA MAIS