Para abordar uma questão sensível e crucial para o crescimento saudável das crianças, conversamos com Danielle Damasceno, renomada fonoaudióloga e fundadora da clínica Na Mesma Roda. Nesta entrevista, Danielle compartilha orientações essenciais para que pais e responsáveis reconheçam os primeiros sinais de atraso no desenvolvimento infantil, especialmente na fala e comunicação, e explica a importância de uma intervenção precoce. Ela também aborda os principais transtornos que podem surgir com esses atrasos, o papel da equipe multiprofissional e como a inclusão escolar pode ser um grande aliado no desenvolvimento integral da criança.
1 – Como avaliar que o seu filho apresenta atraso no desenvolvimento infantil? O que deve ser observado?
Quando a criança está em idade escolar, é comum que os professores sinalizem quando a fala está muito aquém do esperado para a sua idade dentro do grupo. Mas, se a criança não está nessa idade e não frequenta uma creche, é importante que os pais tenham um olhar de comparação. Não é competir, mas comparar o desenvolvimento do seu filho com outras crianças do convívio dele e da mesma idade. É claro que cada criança tem seu tempo, mas é importante observar que esse tempo tem um limite. Dentro do desenvolvimento infantil, não se pode estar muito atrasado. Se isso ocorrer, é um sinal de alerta. Então, se os pais não têm essa visão, um olhar terapêutico, eles precisam ter um olhar de leigo e fazer essa comparação de que, se seu filho estiver muito atrasado em relação aos outros da mesma idade, é um sinal de alerta para levar a um profissional da área para avaliar melhor.
2 – Um dos principais sinais de atraso é quando a criança demora a falar. Quais os sinais de atraso na fala e quando precisa de atenção especializada?
Quando uma criança demora a falar, é muito comum os pais falarem que é assim mesmo, citando exemplos de pessoas conhecidas que demoraram a falar também. Sempre vai ter alguém que vai dizer para os pais esperarem. Acontece que a linguagem é base para outras aprendizagens. Portanto, é muito importante que a linguagem esteja adequada para a idade, bem como ao nível de desenvolvimento, com o intuito de que as outras aprendizagens também não acabem se prejudicando. Ou seja, é importante observar como seu filho está em relação aos outros da mesma faixa etária. Por volta do primeiro ano de idade, a criança precisa estar falando as primeiras palavrinhas, e com dois anos precisa estar falando frases. Com um ano e meio, a criança já começa a juntar duas palavrinhas para fazer um pedido, como “Dá, mamãe? Quer água? Mais biscoito?”, por exemplo.
É claro que a criança não vai falar a palavra com os fonemas certos, né? Ela vai falar, às vezes, o próprio nome e vai pedir água, ou então o contrário. Essas frases não precisam ser na ordem certa e não precisam ter os fonemas corretos, mas a criança já precisa estar juntando pelo menos duas palavrinhas a partir de um ano e meio e dois.
Dois marcos importantes: primeiras palavras com um ano e juntar palavras, e estar falando frases com dois. O que é comum acontecer é a criança chegar às vezes no consultório com dois anos e não estar falando nem mesmo palavras soltas. Isso já é sinal de um atraso considerado de moderado a severo. Uma criança de dois anos que fala poucas palavras ou só fala palavrinhas isoladas é um fator de muita atenção e, infelizmente, por essa questão de senso comum de que tem que se esperar, as crianças acabam chegando tarde para os consultores.
3 – Precisa esperar a criança ter quantos anos para se iniciar um tratamento de fonoaudiologia?
A fonoaudiologia é uma profissão que tem atuação desde o recém-nascido até o idoso. Não existe uma data para se iniciar. A especialidade atua até em bebês prematuros, por exemplo, ou bebês que nasceram com uma alteração em alguma função de degustação, respiração ou qualquer função oral que precise de cuidados, como sucção, respiração, degustação, mesmo nos prematuros, ou bebês que têm alguma dificuldade para mamar, ou na coordenação da respiração com a mamada. Depois vem a necessidade de se alimentar, quando existe alguma dificuldade para engolir, a fonoaudiologia atua também junto a essas necessidades. A criança vai crescendo, quando existe alguma dificuldade para aprender a falar, atuando também nas dificuldades de leitura e escrita. Atua em qualquer alteração relacionada à dificuldade de comunicação na adolescência ou na fase adulta e, posteriormente, com outros diagnósticos no idoso, qualquer diagnóstico que seja relacionado à dificuldade da comunicação.
Então, não existe uma fase para esperar para começar. O que precisa é procurar o profissional correto para cada área, pois existem profissionais especializados para cada necessidade de atuação profissional. Uma criança que está com dificuldade para falar, com um ano, dois anos até, ou por exemplo, uma criança com um ano que não compartilha o olhar, que não é recíproco ao outro, que os pais pedem comandos e o bebê não responde, não retribui um sorriso, não dá um tchauzinho, não tem essa comunicação não verbal estabelecida, já é um sinal de atraso e é necessário procurar um profissional especialista em linguagem para começar a tratar, não precisa esperar. Por quê? Porque se a gente espera o tempo passar, isso vai gerar um atraso na linguagem escrita também, na leitura. Então, é uma criança que vai ter dificuldade na alfabetização também.
4 – Identificado o atraso, quais transtornos podem estar ligados a ele e como a terapia precoce pode ajudar?
Falando especificamente sobre atraso de linguagem, quando a gente identifica que existe, tem que entender por que aconteceu esse atraso. Existe uma necessidade de investigar e ao mesmo tempo tratar, mesmo sem a gente saber o motivo desse atraso. Quando começamos o tratamento logo, a intervenção precoce muda o prognóstico e o futuro da criança, principalmente nas dificuldades de leitura escrita e na alfabetização. Às vezes a criança tem Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, um diagnóstico que só dos 4 aos 6 anos é fechado. Só Pode ser que a criança tenha uma síndrome que vá acometer a comunicação, ou autismo. Existem múltiplas situações que podem estar ligadas também a fatores pré-natais, quando, por exemplo, a criança já nasce com alguma síndrome, ou com alguma condição que impossibilite ou atrase a comunicação.
5 – Quais os principais transtornos que estão ligados a esse atraso da fala? E quais acontecem mais em crianças e em adolescentes? Explique.
Um atraso mais comum é o TDL, Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem, que prejudica a comunicação. Também tem a apraxia de fala. Outros transtornos motores de fala, em que a gente tem alteração na fonética e fonológica, são, os mais comuns. Quando a criança cresce, trata-se mais dos distúrbios de leitura escrita, aprendizagem, e dislexia. A gagueira também. Esses são os que trabalhamos muito em crianças e adolescentes.
6 – Quando é necessário o acompanhamento de uma equipe multiprofissional de saúde e como deve ser feito o diagnóstico para definir qual tipo de transtorno?
Quando a criança está em idade escolar, é comum que os professores sinalizem quando a criança está muito aquém do esperado para a sua idade dentro do grupo. Mas, se não está nessa idade, nem frequenta creche, é importante que os pais tenham um olhar de comparação. É claro que cada criança tem seu tempo, mas é importante observar que esse tempo tem um limite. Dentro do desenvolvimento infantil, a gente não pode estar muito atrasado.
7 – Quais são essas especialidades e como o trabalho em conjunto contribui para promover o desenvolvimento infantil?
O desenvolvimento infantil depende de muitas de muitas habilidades. Um profissional completo olha o paciente como um todo, em que tudo precisa estar funcionando como uma orquestra. Então, esse trabalho, às vezes, precisa ser realizado para ter o maior ganho em sua própria área, com cada profissional fazendo sua parte.
8 – No caso do Transtorno do Espectro Autista, como as terapias, principalmente a fonoaudiologia, podem ajudar?
O terapeuta vai trabalhar as habilidades que estão em prejuízo, dando as ferramentas para que o paciente consiga se comunicar. No caso da fonoaudiologia, ter uma comunicação mais eficiente para que ele consiga manter relações sociais com muito mais conforto e prazer, o objetivo de qualquer trabalho terapêutico de fonoaudiologia especificamente.
9 – Muito tem se falado sobre a inclusão de crianças com atraso no desenvolvimento infantil nas escolas. Inclusive, é lei que todas tenham direito a mediador nas escolas. O que tem a dizer sobre isso?
A inclusão, infelizmente, em muitas escolas, em muitas realidades, ainda é uma utopia. É lei que todas as crianças estejam na escola e todas precisam ter um profissional qualificado para trabalhar as suas dificuldades, mas não é essa a realidade. Isso depende de uma série de fatores. Vindo do governo, é necessário que esses profissionais estejam dentro das escolas sejam qualificados, com oferta de treinamento constante para eles.
Na rede particular, é preciso entender também que é um custo de aula e não existe incentivo nenhum por parte deles. Para que essas escolas tenham este profissional, é necessário qualificar todos.
Todos precisam estar preparados para a inclusão, mas infelizmente não é o que eu vejo na prática. Vejo escolas com salas de recursos lindas, maravilhosas, mas sem nenhum profissional qualificado para conseguir utilizar aqueles materiais maravilhosos que tem nas salas de recursos.
Então, às vezes as pessoas garantem um material muito bom, mas o mais difícil e necessário, que é o material humano e qualificar as pessoas que trabalham, não fazem. A dificuldade é a de se ter qualificação para conseguir garantir uma educação respeitosa, garantindo que o aluno tenha uma educação de acordo com o que precisa, porque cada um aprende de uma forma diferente.
Uma outra coisa que acontece também é a necessidade de se ter um laudo. Dentro da escola, não é necessário um laudo para entender, para observar que aquele aluno precisa de uma ajuda a mais, mas às vezes isso é muito burocrático. Além disso, ao perceber que a criança tem dificuldade, então é só começar a adaptar tudo e ter uma mediadora. Mas, vendo pela perspectiva da escola, realmente é algo difícil, pois colocar mais profissionais qualificados é uma conta que não fecha, a verdade é essa!
10 – Por fim, como a família pode ajudar nos cuidados de uma criança que tem transtorno e qual o apoio que precisam para lidar com essa questão?
Acho que essa é a pergunta mais difícil, porque não é somente a família que tem que ajudar. A sociedade precisa, como rede, proporcionar isso. A família faz o que pode e, assim, precisa de suporte da escola, dos terapeutas, pois ela está inserida em todos os contextos sociais que a criança transita. Então, a família precisa de apoio e ferramentas. E quem vai dar essas ferramentas? A escola, os terapeutas, as pessoas que estão ali à volta dessa família. Quanto mais integrada a família está, mais mergulhada nas dificuldades, tem mais capacidade e habilidade para ajudar. Então, todos precisam trabalhar em conjunto.
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